E novamente ele volta. O homem da bermuda verde e dos olhos que me atingiram enquanto evitavam o asfalto a que iriam de encontro. Ele volta com o asfalto e seus pequenos rios vermelhos. E de novo é ele, o homem, tão forte, tão submisso às vontades, tão perecível. O homem que não existe mais e ainda atrapalha o trânsito.
quarta-feira, 20 de maio de 2009
Transito entre os lugares e os modos de escrever e me pergunto se são os estiles ou o roçar dos dedos o que deixa marcas. Me queimo e, no calor das mãos, tudo começa. E por tanto apreciar a morfologia das coisas elas acabam por ter sentido e um como fazer. Sempre soube que fumar era burrice tão grande quanto se apaixonar, mas mesmo tendo deixado os templos, ainda restavam os ritos, as minúcias de um eu esmagado pelo tudo, que conhece o próprio peso e flutua, por ser nada. O medo do fogo é porque sempre fui água parada, lagoa em que os que amei se afogaram, ainda no raso. E a doçura de neblina com espreguiçar do sol. Mas o agora era a seca, um evaporar para, na última gota, ser mar.
domingo, 17 de maio de 2009
O grito
E, mais do que a matéria perecível, sou o meu desejo de ser além do barro de que fui feita. Peça sem assinatura, da descendência dos bastardos, dos exilados e dos apatriados. E mulher.
Vario os tipos de letras porque a escrita não varia. E a moça ainda era ela, aquela que há muito havia deixado de ser, a que, por suas próprias mãos e vontade se fez corroer pela certeza de que de novo iria acontecer. E seria pouca a fagulha para acender o sol guardado no peito e que fazia com que se lançasse liquida ao se conduzir junto à fluidez das pedras. Lenta e determinada, seguindo o girar do mundo.
Respirava com fome o mundo. Na imobilidade adivinhava parentesco com vento, reconhecida a força de fazer e desfazer marés e, da aguinha nascente, surgiam os mares que inundavam e apagavam todo o resto. Da epidemia de dengue restaram a mulher parida e o pequeno homem, insaciável. E uma tarde, também de sábado, em que adormeceram juntos, consolados pela exaustão das fomes não saciadas. Quando aqui chegaram sabiam que seriam vitimados pelos mesmos males que seus antepassados haviam trazido. Mostravam nos olhos a consciência e se nomearem em sonho a quem pudesse reconhecer o sopro em ferida, afago de deus ou de mãe. Sabiam, já, todas as coisas que lhes seriam omitidas.
Comecei pela etiqueta, com data de fabricação e sem validade. Um homem que amei sentiu desconforto tal e qual e, o meu, ia no além do aquém já que sou uma tresloucada consumista. Coisas de mulheres que gostam de ser possuídas. Sempre tropeço em poemas e depois de um tombo, dei de cara com outro numa vitrine, ao lado dos sutiãs e da maquiagem. E depois me apaixonei por outro. Ode triunfal em meus ouvidos sua voz de maciez de apaziguar concretudes e engrenagens. Minha tecnologia parou com os moinhos e o cavaleiro que me chamava por nome outro. Gosto dos homens magros e frágeis. São os mais fortes. Como o cheiro da cebola e os canalhas. Compro coisas que ficam escondidas de mim, jogadas em gavetas e armários, estragadas pelo excesso de proximidade. Bom que o coração saiba melhor que amores escolher. Procuro as agulhas de tricô e imito minha avó, à espera que alguém retorne de onde ninguém vem. E me acabo tecendo princípios.